Nojenta Mente

MED Talks
3 min readAug 29, 2020

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Você sabia que a “Nojinho” que controla a sua mente pode ser muito diferente da que controla a mente de uma indiana?

No ano de 2015 foi lançada, pela Disney PIXAR, a animação “Divertida Mente”, que traz conceitos da inteligência emocional e de como as nossas emoções controlam as nossas ações. No filme, todas as pessoas apresentam cinco sentimentos principais que são responsáveis por controlar as ações e as memórias de todas as pessoas, são eles: alegria, tristeza, medo, raiva e nojo. A emoção de nojo é representada pela Nojinho, uma personagem feminina que “protege” a protagonista Riley de ser envenenada física e socialmente.

Segundo a Wikipédia, o nojo é uma emoção relacionada a tudo o que é percebido como sujo ou incomestível. Em uma das cenas da animação supracitada, a personagem Nojinho impede a humana Riley de comer um brócolis, por considerá-lo nojento, o que está de acordo com a definição abordada acima (considerou incomestível). Fico me perguntando o que ela faria se soubesse que existem comunidades que utilizam as mãos para comer e não os talheres, e que isso na Índia acontece com a mão direita, pois a esquerda é usada para questões higiênicas, como limpar o ânus após a defecação. É isso mesmo: com uma mão se alimentam e com a outra, limpam as partes íntimas.

Eu não sei você, mas isso me causa uma sensação de nojo absurda e acredito que, na Nojinho, também causaria. E, segundo José Carlos Rodrigues, essa reação seria bastante comum em ocidentais no geral, pois o nojo é considerado uma questão cultural: algo que faz com que você o sinta pode ser normal para alguém de uma cultura diferente. No filme “Shrek”, da DreamWorks, essa questão cultural é muito perceptível. O personagem principal é um ogro considerado muito nojento pelos seres humanos, por viver em um pântano sujo, por tomar banho de lama e por alimentar-se de insetos. Os personagens humanos da animação reagem com repulsa aos seus comportamentos considerados indiscretos quando expressos em público, como arrotar.

A reação de nojo é em respeito às convenções do que é considerado normal ou não em uma sociedade. Representa uma insegurança simbólica. As pessoas rejeitam coisas que dão nojo, o que pode ser percebido pelos gestos relacionados a essa sensação: tapar a boca ou a respiração ou virar o rosto para outro lado. São formas de recusar aquela mensagem, interrompendo os canais de comunicação com o mundo.

O nojo é uma reação de desequilíbrio psicofisiológico que expressa a repulsa a algo que viola as fronteiras determinadas por uma cultura. No ocidente, essas fronteiras são aquilo que é interno ou externo ao corpo e/ou natureza. Por exemplo, quando se mistura algo do banheiro com algo da cozinha (ou seja, algo que sai do corpo com algo que entra nele), ou com excreções do organismo, como catarro, saliva, urina e sangue, muitas pessoas de determinadas culturas têm a reação do nojo. Em uma outra animação da Disney muito famosa, “O Rei Leão”, o personagem Pumba relata parte da sua história, revelada na música “Hakuna Matata”, na qual diz que ele soltava flatos no lago enquanto outros animais bebiam a água e, com isso, todos se retiravam apressadamente com nojo. O seu parceiro Timão confirma ainda na música: “você me enoja”.

A sociedade atual entende que cada corpo é individual e, por isso, temos nojo do outro e reforçamos a fronteira interna e externa de cada um. Não se compartilha escovas de dente, materiais de banho, fio dental e talheres. Mas nem todos pensam igualmente e o contexto também altera essa percepção: relacionamentos quebram essa fronteira, de forma que os beijos misturando as salivas ou a troca de talheres entre pessoas que se relacionam não é considerado nojento.

E então eu te pergunto: o que causa nojo na maioria das pessoas, mas não em você?

“Melhor pra fora do que pra dentro.”

- Shrek

Legenda: personagem Nojinho da animação Divertida Mente.

Texto por Bárbara Caixeta de Carvalho Leão.

Revisão por Ádria Silva Guimarães.

Imagem por Disney PIXAR.

>> Este texto reflete exclusivamente a opinião do autor, e não a da Equipe MT!

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